Mistérios das quatro operações fundamentais revelados!!!

 Como temos defendido aqui, decorar nunca é o caminho, quando se fala de educação de boa qualidade. Neste sentido, o tal do vai um, do nunca dez, do empréstimo que não devolve na subtração e de tantas mágicas que decoramos no início de nossa caminhada pela Matemática, na verdade, são complicadores do próprio aprendizado desta disciplina. Neste post iremos caminhar, desconstruindo mitos, pelo sistema numérico decimal, pela adição, pela subtração, pela multiplicação e terminar na divisão. Vamos nessa?

Sistema numérico decimal

Nosso sistema numérico é posicional e aditivo, ele usa apenas 10 algarismos para propiciar a escrita de qualquer número. Isto é possível porque a posição de cada algarismo vai determinar o seu valor. Veja que o número 153, usa os algarismos 1, 5 e 3, como:
  • o 1 está na ordem das centenas, ele representa 100, 
  • o 5 está na ordem das dezenas, ele representa 50,
  • o 3 está na ordem das unidades, ele representa 3.

Temos então: 100+50+3= cento e cinquenta e três.

Pensando no nosso sistema monetário nacional, que é decimal também, podemos representar este número com uma nota de 100 reais, cinco notas de dez reais e três moedas de um real (vamos fingir que só existem estas notas e esta moeda porque elas têm relação direta com centena, dezena e unidade).


Vamos olhar mais de perto e ver o que está acontecendo em cada ordem.
A ordem das unidades traz a base 10 elevada a 0, ou seja, o um. Qualquer algarismo nesta ordem será multiplicado por um.

A ordem das dezenas traz a base 10 elevada a 1, ou seja, o dez. Qualquer algarismo nesta ordem será multiplicado por dez.

A ordem das centenas traz a base 10 elevada a 2, ou seja, o cem. Qualquer algarismo nesta ordem será multiplicado por cem.


Vamos, com esta ideia em mente, representar a seguinte quantidade:

Imagine que temos onze moedas de um real:

Mas, para representar esta quantidade, no sistema decimal, temos à nossa disposição, os algarismos 0,1,2,3,4,5,6,7,8 e 9. Veja que não existe algarismo 11, por este motivo, teremos que usar, além da ordem das unidades, a ordem das dezenas. O que fazemos?

Reunimos dez moedas e as chamamos de uma dezena e sobra uma moeda na ordem das unidades.

Trocamos as dez moedas por uma nota de 10 e finalmente conseguimos expressar a nossa quantidade, para isto usamos 1 dezena e 1 unidade:


Veja que quando se fala de nunca dez na ordem, o que se está falando é que não existe um algarismo dez, e, cada ordem pode abrigar apenas os algarismos existentes na base decimal. 


Vai um? Por quê?

Quando falamos de adição, junto com o nunca dez (que já desmistificamos acima) tem o tal do vai um, e aí a confusão vai só Piorando. O que, afinal de contas, é o vai um???

Ora, o vai um é simplesmente a organização das quantidades dentro das ordens que temos. Lembre-se que temos à nossa disposição, no sistema numérico decimal, os seguintes algarismos, 0,1,2,3,4,5,6,7,8 e 9. 

Então, vamos fazer a seguinte adição: 153+168=

Veja que podemos representar 153 da seguinte maneira = 1 nota de cem, 5 notas de 10 e 3 moedas de 1 real e 168 com =  1 nota de cem, 6 notas de 10 e 8 moedas de 1 real.

Vamos agora juntar, do menor para o maior, o nosso dinheirinho:
Temos 
  • 3 moedas de 1+8 moedas de 1= 11moedas de um real;
  • 5 notas de dez+6 notas de dez= 11 notas de dez reais;
  • 1 nota de cem + 1 nota de cem=2 notas de cem reais.
Lembre-se que a gente não tem algarismo 11, então, teremos que fazer trocas, para poder representar numericamente  a quantidade que temos em mãos.

Vamos começar pelas moedas de um real, vamos TROCAR 10 delas, por uma nota de 10 reais.
Agora a nossa situação é:
  • 1moeda de um real;
  • 5 notas de dez+6 notas de dez+ uma nota de dez (recém trocada)= 12 notas de dez reais;
  • 1 nota de cem + 1 nota de cem=2 notas de cem reais.
Agora temos que TROCAR dez notas de dez reais por uma nota de cem reais, porque não existe o algarismo 12, no sistema numérico decimal.


Agora a nossa situação é:
  • 1moeda de um real;
  • 2 notas de dez reais;
  • 1 nota de cem + 1 nota de cem + 1 nota de cem (recém trocada)=3 notas de cem reais.
Veja que finalmente podemos expressar unidades, dezenas e centenas com os nossos algarismos do sistema numérico decimal.

Temos, portanto, ao final, 321 reais.



E o que é o vai um? Vai um é toda vez que fazemos uma troca, trocamos dez unidades por uma dezena e esta uma dezena foi ficar com as outras dezenas. Trocamos dez dezenas por uma centena e esta centena foi ficar com as outras centenas. 

Ilustrando o vai um em vídeo:



Que empréstimo é esse?

Falando de subtração, o que parece mágica é o tal do empréstimo de não devolve, daí vc empresta um e, de repente o que era um vira dez, e uma grande confusão vai se armando na cabeça.

Na verdade, não se empresta, se troca!!! Vamos à seguinte situação: Você tem 321 reais e precisa retirar desta quantidade o valor 168 reais. Vamos organizar, com dinheiro (apenas notas de 100 reais, 10 reais e moedas de 1 real), o que temos em mãos:
  • Uma moeda de um real;
  • duas notas de dez reais;
  • três notas de cem reais.
Agora precisamos tirar daí 168 reais.

Precisaremos tirar 8 reais, mas na ordem das unidades temos apenas um real, ou seja, teremos que trocar uma das notas de 10 reais por 10 moedas de um real (sim é o reverso do que fizemos na adição). Temos agora 11 moedas de um real.

Podemos, então, retirar 8 moedas de um real daí, que é o que precisávamos fazer.


Nossa situação agora é a seguinte, temos:
  • Três moedas de um real;
  • Uma nota de dez reais;
  • Três notas de cem reais.
Agora precisamos tirar sessenta reais, seis notas de dez, só que temos aí um problema, porque só temos em mãos, duas notas de dez. Precisaremos TROCAR uma das notas de cem por dez notas de dez, ficando com 11 notas de dez, PORQUE JÁ TINHAMOS UMA DELAS, podendo fazer a nossa operação.








Vamos retirar as 6 notas de dez que precisamos, e nos restarão 5 notas de dez:



Nossa situação agora é a seguinte, temos:
  • Três moedas de um real;
  • Seis notas de dez reais;
  • Duas notas de cem reais.
Vamos retirar agora uma nota de cem reais, que é a última coisa que precisamos fazer.
Feito isto, não temos mais nada para tirar e chegamos no resultado final: 153.

Veja que sempre que fizemos trocas, elas é que eram os tais "empréstimos" e servem para organizar a conta.

Vamos ver em vídeo, o momento da troca, que não é empréstimo.



Chega pro lado e soma? Por quê?

E em relação à multiplicação? Veja que ao multiplicarmos, por exemplo 21 x 42, vamos ter a seguinte situação: 

1 unidade x 2 unidades = 2 unidades




1 unidade x  4 dezenas = 1 x 40 = 4 dezenas:


2 dezenas x 2 unidades= 20x2= 4 dezenas:


2 dezenas x 4 dezenas = 20 x 40= 8 centenas





Reunimos 2 unidades + 4 dezenas+ 4 dezenas + 8 centenas= 2 unidades + 8 dezenas + 8 centenas.

Colocando do maior para o menor, temos: 8 centenas, 8 dezenas e 2 unidades = 882.

Com esta discussão na cabeça, vamos à conta armada:


Veja que o tal do "chega para o lado é porque estamos falando de 4 dezenas, conforme mostrado acima com dinheiro.

Vejamos esta mesma ideia discutida, com material dourado, em vídeo:



Começa do final pra dividir?

Finalmente, mas não menos importante, é momento de discutir o porque de iniciarmos sempre do maior para o menor na divisão, veja que aqui vamos na direção contrária das operações anteriores, que sempre começam do menor para o maior.

Dividir, em Matemática, é dividir em PARTES IGUAIS. Veja que, para dividirmos, é mais vantajoso, começarmos do maior para o menor, porque isto FACILITA AS TROCAS que teremos que fazer em caso de divisão desigual.

Vamos a um exemplo prático:

Imagine que temos que dividir 141 reais para 3 pessoas. 141 é divisível por 3, porque 1+4+1=6 e 6 é múltiplo de 3*(no final do post explico o porquê disto ser verdade).

Voltando, temos 141 reais, uma nota de cem, uma de dez e uma moeda de um real, para dividir para três pessoas:

Veja, que só vai trazer dificuldade a gente tentar dividir um real entre as três pessoas. Mesmo usando moedas menores, a conta nunca fecha, sempre sobra ou falta algo.

Também, partir do meio, das dezenas, traz dificuldades porque eu vou distribuir uma nota de dez pra cada pessoa e sobra uma nota, sendo que já havia sobrado uma moeda, ou seja, o caos...

Começando a distribuir o dinheiro...

Começar da nota de cem traz vantagens, veja que podemos trocar uma nota de cem reais por dez notas de dez reais. E começar a minha distribuição.

Minha situação atual é: Tenho 14 notas de dez, após a troca, e uma moeda de um real para distribuir. Distribuí 4 notas de dez para cada pessoa e me sobraram duas notas de dez e uma moeda de um real para dividir ainda.

Uma paradinha!

Atenção, ao dividir 14 por 3 sobra resto, porque 14 não é divisível por 3 (1+4=5 e 5 não é múltiplo de 3).

Voltando, a situação atual pode ser vista abaixo, 12 notas de dez distribuídas igualmente e faltando duas notas de dez e uma moeda de um real para distribuir:

Agora, vamos nos mover para as dezenas, veja que eu não consigo distribuir igualmente as duas notas de dez reais para as três pessoas, troco então estas duas notas de dez por vinte moedas de um real. Nossa situação agora é a seguinte: 

Faltam ser distribuídas 21 moedas de um real (porque eu somei as 20 moedas que acabei de trocar mais a moeda que eu tinha). Veja que 21 é divisível por 3 (2+1=3 e 3 é divisível por 3). Distribuímos assim os 21 reais restantes em 7 moedas para cada pessoa.

Chegamos então ao resultado final, que é 47 reais para cada pessoa.

Vamos olhar isto, explicado passo a passo, na conta armada:

Vamos dar uma olhada na distribuição de dinheiro para entender a divisão no vídeo abaixo:



*Cantinho da curiosidade:

Ficou curioso(a) do porque no número 141, somamos 1+4+1, obtendo 6, e sendo 6, um múltiplo de 3, então afirmamos, com certeza, que 141 é múltiplo de 3?


Veja que temos um algarismo 1 nas centenas, um algarismo 4 nas dezenas e um algarismo 1 nas unidades. Podemos, portanto, reescrever 141, como 1.100+4.10+1.1. Generalizando, temos xyz, que pode ser reescrito como: x.100+y.10y+z.1 e podemos demonstrar para provar que basta somar os algarismos de qualquer número, e caso este somatório seja múltiplo de 3, então o número representado é múltiplo de 3.

Vamos à prova?


Antes de provar, temos que pensar que a prova é um jogo jogado, eu, que estou provando novamente e de novo um mesmo teorema que já provei outras vezes, já sei onde quero chegar. E eu quero chegar em algo do tipo (x+y+z).3 + 3(o que sobrar). Dito isto, podemos caminhar.

Tese: o número x.100+y.10y+z.1, x,y e z naturais, se, quando somamos x+y+z, obtenhamos um múltiplo de três, então o número x.100+y.10y+z.1 é múltiplo de três.

Hipótese: Se um número pode ser representado na forma x.100 + y.10 + z.1, onde x, y e z são números naturais, e se a soma dos algarismos desse número (x + y + z) for um múltiplo de três, então o número x.100 + y.10 + z.1 é múltiplo de três.

Paradinha rápida:

Esta hipótese estabelece a relação entre a soma dos algarismos de um número na forma x.100 + y.10 + z.1 e sua divisibilidade por três, o que é consistente com a tese que estou tentando demonstrar.

Agora sim vamos à prova

x.100+y.10+z.1

x+99x+y+9y+z

x+y+z+99x+9y

Daí já acabou a prova, porque 99x+9y são múltiplos de 3, porque 99x pode ser reescrito como 3.3.11.x e 9y pode ser reescrito como 3.3.y. Logo, basta que em x+y+z+3.3.11.x+3.3y, x+y+z, seja múltiplo de três. Caso a resposta seja positiva, podemos chamar x+y+z de 3w (w pertencente aos naturais). 

Então teremos: 3w+3.3.11.x+3.3y,

Colocando 3 em evidência, temos: 3(w+33x+3y), desta forma garantimos que o número x.100+y.10y+z.1, já que x+y+z é múltiplo de 3,  é múltiplo de 3, como queríamos demonstrar (CQD).

A autora


Daniela Mendes Vieira da Silva é doutora pelo programa de pós graduação em ensino de Matemática da UFRJ, professora adjunta do departamento de Matemática da FFP/UERJ, coordenadora geral do projeto de extensão LEM FFP UERJ ITINERANTE e do projeto de pesquisa, fomentado pela FAPERJ, Matemática e Física na mala. Orientadora do programa Residência Pedagógica, Matemática-FFP/UERJ da CAPES. É também líder do grupo de pesquisa em aprendizagem e ensino de Matemática da FFP-UERJ (GPAEM-FFP).